Artistas e produtores audiovisuais de Vitória da Conquista lamentam a morte do cineasta Geraldo Sarno

Por - 23 de fevereiro de 2022

Natural de Poções, no Sudoeste da Bahia, o diretor e roteirista faleceu nesta terça-feira, 22, aos 83 anos, em decorrência da covid-19. Ao longo da carreira, realizou dezenas de produções cinematográficas e escreveu livros sobre o Cinema e Audiovisual brasileiro.

Na noite desta terça-feira, 22, o Brasil perdeu um dos maiores nomes do cinema nacional contemporâneo: o diretor e roteirista Geraldo Sarno. Natural de Poções, município do Sudoeste baiano localizado a cerca de 70 quilômetros de Vitória da Conquista, o cineasta fez história com filmes como “Viramundo” (1964) e “Tudo isto me parece um sonho” (2008), que lhe rendeu o prêmio de melhor direção no Festival de Brasília.

Sarno estava internado há um mês no Hospital Copa D’Or, em Copacabana, na zona Sul do Rio de Janeiro, após ser infectado pela covid-19. De acordo com o Portal G1, ele havia tomado as três doses da vacina contra o novo coronavírus e se preparava para retornar a sua cidade natal, mas foi vítima de complicações da doença, aos 83 anos. Em nota, a unidade de saúde disse que, a pedido da família, não podia divulgar mais informações sobre o falecimento

Repercussão e homenagens

A notícia repercutiu nos principais veículos de imprensa do país ao longo desta quarta-feira, 23, e comoveu artistas e produtores audiovisuais de Vitória da Conquista, que lamentaram sua partida. O Janela Indiscreta Cine Vídeo, programa de extensão da Uesb (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia) do qual Geraldo era parceiro desde 2013, destacou que o cineasta era também professor “e, mais do que isso, um grande mestre”.

Por meio da parceria com o Janela, ele ministrou seminários para a comunidade acadêmica da universidade e participou de sessões comentadas de “Sertânia” (2020), seu último filme. Além disso, no ano retrasado, lançou o site Linguagem do Cinema, que reúne parte do seu acervo de produções audiovisuais e documentos sobre a sua trajetória artística. 

No site Linguagem do Cinema, está disponível parte do acervo de produções audiovisuais de Geraldo Sarno. Foto: Reproduçaõ / G1.

Em uma publicação no Instagram, a professora do curso de Cinema e Audiovisual da Uesb, Adriana Amorim, prestou sua homenagem ao cineasta. “Dele ouvi, há pouco tempo, a sensata e perspicaz avaliação de que ou a esquerda (em todo o mundo) reconhece a importância do audiovisual no exercício político pleno ou seguiremos tomando surra da direita reacionária, que tem dominado essa linguagem para construir e espalhar seu discurso cruel. Essa é apenas uma das infinitas pérolas que esse mestre espalhou por aí”, escreveu.

No Facebook, o realizador audiovisual e também professor da Uesb, Filipe Gama, agradeceu o legado deixado por Sarno para o cinema brasileiro e o definiu como “o cara que buscou entender e apresentar o Sertão pra gente de uma forma tão linda e generosa”. Já a Companhia Operakata de Teatro o descreveu como “inquieto, teimoso, apaixonado, obstinado, guerrilheiro do olhar e da imagem e gênio”.

Atores do grupo conquistense participaram de “Sertânia”, que traz referências a Glauber Rocha e ao movimento cinematográfico que ficou conhecido como “Cinema Novo”. “Gratidão Geraldo, pela confiança, pelas provocações, por nos levar a nos perder e a nos reinventar tantas vezes dentro de seu set, por ter vivido e amadurecido afetos celestiais e infernais em meio a um furacão de encontros orquestrados por ti no Sertânia”, afirmaram os integrantes da Operakata nas redes sociais. 

Trajetória

Segundo o colunista Inácio Araújo, do jornal Folha de São Paulo, Sarno faleceu quando sua obra parecia chegar ao apogeu. O jornalista afirmou que, no Festival de Tiradentes de 2020, “Sertânia” foi o filme “que mais deixou boas lembranças, numa mostra cuja tradição consiste, justamente, em encontrar novos valores”. E acrescentou que Geraldo nunca se considerou “um velho cineasta”. 

Sarno nos bastidores do filme “Sertânia”. Foto: Reprodução / Folha de S. Paulo.

Filho de imigrantes italianos, ele nasceu em 6 de março de 1938. De acordo com o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o interesse de Sarno pela sétima arte surgiu a partir de sessões que frequentava em salas de cinema onde também ia o diretor Glauber Rocha, de quem se tornou amigo. Mas foi durante uma viagem a Cuba, para onde foi em 1962, indicado pela União Nacional dos Estudantes (UNE), que resolveu estudar a área durante um ano.

Na época, havia acabado de se formar em Direito, que cursou em Salvador, e tinha sido aprovado em primeiro lugar no concurso público para oficial judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da capital baiana. Ainda assim, decidiu continuar em Cuba para estudar cinema. Seu primeiro filme, “Viramundo”, foi pioneiro ao levar para as telas o movimento migratório brasileiro, sobretudo o de nordestinos, além das religiões e culturas populares. Gravado em São Paulo, o curta tem imagens preciosas da cidade em 1964 e foi lançado semanas antes do Golpe Militar.

A ênfase de sua filmografia foi o cinema documental. Além de “Viramundo”, Sarno fez vários outros curtas documentais importantes entre os anos 1960 e 1970, abordando sempre temas do Sertão Nordestino, desde a economia sertaneja até personalidades como Lampião e Padre Cícero. Sua estreia com longa-metragem e na ficção se deu com o filme infantil: “O Pica-pau Amarelo” (1973), primeira adaptação cinematográfica da obra de Monteiro Lobato. 

De acordo com o Terra, Sarno buscou traçar não apenas o Nordeste em todas as suas variações, mas também um mapa da identidade cultural do Brasil. Por isso, ganhou tanta relevância e reconhecimento no cenário artístico do país. 

Foto de capa: Divulgação / Universo Produção.

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