Artigo | Em novas colagens sonoras, cajupitanga se transforma em trio em álbum visceral
Por Rafael Flores - 26 de março de 2025
De Vitória da Conquista, cajupitanga é um projeto idealizado por Gabriel Tupy e Candioco. O novo álbum, "Próximo", é uma junção de elementos da MPB, do jazz contemporâneo e dos cantadores e violeiros dos sertões.

Há oito anos, um amigo me chamou a atenção para um grupo de estudantes do ensino médio que estavam montando uma banda nova em Vitória da Conquista. Até aí nada de novo, até ouvi-los e entender que estava desenhada ali uma fresca e longa produção por vir.
Se não me engano o mais velho deles estava com seus 17 ou 18 anos e formavam a banda Taro, que transitava entre o indie rock, a mpb e já demonstrava o flerte com pitadas experimentais. Acompanhei a trajetória quase do início, fazendo as fotografias de divulgação do show de lançamento até quase o fim, que chegou com a ida dos garotos para universidade e demais destinos adultos.
Mas falo dela com uma intenção, a de não desconsiderar o caminho conciso de dois dos seus integrantes: Gabriel Tupy e Candioco (Pedro Antunes). Em 2018 deram continuidade a parceria e formaram nova configuração sonora ao se juntarem no projeto experimental cajupitanga, que deu continuidade a uma caminhada que, até hoje, é marcada por novas colaborações e experimentações sonoras.
Experimentações tão sólidas que transformam o simples ato de tentar rotular o som da banda em um equívoco. Como adeptos da colagem sonora, as peças que escolhem são encaixadas de tal forma que algo completamente novo surge, propondo aos nossos ouvidos uma atenção plena para absorção do conteúdo, atitude tão escassa em tempos de tela.
E é levando ao cume essa descrição que cajupitanga chega ao seu mais novo álbum, “Próximo”, segundo da carreira e primeiro em colaboração com Arthus Fochi. O resultado é um trabalho diverso, que transita por diversas paisagens sonoras da música brasileira e latina.
Cada faixa é um recorte para a colagem final, que é uma junção de elementos da música popular brasileira, como em “Dia Santo”, do jazz contemporâneo, presente em “Memória Boa”, dos cantadores e violeiros de sertões brasis em “Passagem Caraminguá” (instrumental) e “Àra” e das cantigas infantis em “ao Sol, a noite”.
A exploração do cancioneiro folclórico latino também aparece em “De Colores”, e o experimentalismo ecoa forte em “QUEMEVC?” e em outra faixa totalmente instrumental chamada “Fogueira Arraigada”.
Ao longo do álbum, as vozes de Candioco e Arthu Fochi se alternam de maneira natural, cada uma com suas particularidades, mas sem destoar dentro da obra. Fochi já vinha de outro projeto colaborativo, o MASSAMBARÁ, lançado em 2022 ao lado do carioca Pedro Paulo Junior, que também marca presença em “Próximo” ao assinar o arranjo e tocar trompete na segunda faixa, “Anjo Negro”.
Curiosamente, o processo criativo do álbum também foi marcado pela distância física entre os envolvidos. Fochi, Candioco e Tupy nunca se encontraram pessoalmente durante a produção do disco, que se deu inteiramente através da troca digital de ideias e arquivos.
Essa separação espacial fez com que a criação se tornasse ainda mais um exercício de colagem, de mistura e reconfiguração de sons e sentimentos. Em um sentido mais profundo, “Próximo” trata da transformação e da mudança, do distanciamento e da proximidade, e da memória que nos faz revisitar, ressignificar e reintegrar nossos passados, mesmo à distância.
O álbum é mais do que uma coleção de músicas. É um espaço de liberdade e experimentação, um ponto de convergência de ideias que se fragmentam e se reorganizam. Cada faixa de “Próximo” é um convite a se perder, se reencontrar e, principalmente, a refletir sobre o que significa o tempo, a memória e a proximidade. Tudo isso é entregue ao ouvinte de forma visceral.
Colando elementos
Atualmente Candioco está em Salvador cursando jornalismo e escreve para o El Cabong, site especializado em música. Enquanto Tupy está no mestrado em Relações Internacionais em Minas Gerais após viver fora do país.
Nesta imersão na capital baiana, Pedro já teceu sua própria rede de colaborações na produção musical, que deságua neste e outros fonogramas disponíveis nas plataformas.
Uma dessas expressões se deu da conexão com Ramon Gonçalves, artista visual, poeta, músico e produtor e que assina o projeto AURATA, com o qual Pedro colabora. E ela vai desaguar em “Próximo”, já que Ramon assina a visceral arte visual usada como capa do álbum.
Outra parceria importante se deu com Rei Lacoste, músico e artista visual que recentemente lançou a mixtape “O Que Você Ouve/O Que Houve Com Você”, contando com cajupitanga na faixa “Me Dê Um Beijo”. O trabalho insere a dupla no mesmo patamar de outros feats notáveis do álbum, como Juçara Marçal e Giovani Cidreira.
Com “Próximo”, cajupitanga reforça sua identidade como um organismo vivo de experimentação e troca. O álbum não é um ponto de chegada, mas um portal para novas possibilidades sonoras, onde a distância não é um obstáculo, mas um elemento que expande as fronteiras da criação.
*Rafael Flores (@rafaeh_) é jornalista formado pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb). Desde a graduação, trabalha na produção cultural e de comunicação na Bahia, além de atuar diretamente nas artes como DJ, artista visual e fotógrafo.
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