A defesa de uma ideologia política machista, sexista e misógina na Câmara Municipal
Por Herberson Sonkha* - 30 de março de 2022
Em novo artigo escrito para o Conquista Repórter, o professor Herberson Sonkha analisa o resultado da votação da moção de repúdio aos radialistas Humberto Pinheiro e Washington Rodrigues, em razão dos ataques contra dirigentes do Simmp.
Neste artigo de opinião, pretendo discutir o resultado da votação da moção de repúdio aos radialistas Humberto Pinheiro e Washington Rodrigues, da Clube FM, em razão dos ataques direcionados por eles às dirigentes do Sindicato do Magistério Municipal Público de Vitória da Conquista (Simmp), Elenilda Ramos e Greissy Leôncio. A moção foi aprovada pela Câmara durante a sessão da última sexta-feira, 25, em meio a protestos de professores e membros do Fórum Sindical e Popular. Foram dez votos favoráveis, três contrários e duas abstenções.
O resultado dividiu até os parlamentares da bancada de situação e impôs uma vitória significativa contra a própria maioria conservadora do Legislativo, revelando as contradições da suposta unidade entre vereadores notadamente bolsonaristas, seja por medo da pressão política em evidência no plenário ou mesmo por convicção de que foram praticadas diferentes formas de violência contra as duas mulheres representantes do Simmp.
Óbvio que esse repúdio é um gesto de solidariedade em favor das vítimas, da direção do Sindicato e de toda a categoria, que é atacada frequentemente por Humberto Pinheiro e Washington Rodrigues. Mas é também uma denúncia urgente das mulheres que se organizam cada vez mais para combater quaisquer formas de violência de gênero, perpetuada, sobretudo, através do machismo e da misoginia.
Só a exposição pública desses reacionários revela a incoerência e a fragilidade dos argumentos utilizados pelos três vereadores que votaram contra a moção, já que se apresentam à sociedade conquistense como pessoas “equilibradas”, “democráticas” “sensatas” e com “inteligência emocional” que supostamente os habilitam como lideranças preparadas para lidar com interesses conflitantes.
Essa imagem mentirosa de “bom-mocismo” e de pessoas “de bem” caíram por terra, pois até para liderar uma bancada de situação é preciso mais que arroubos, principalmente depois de perceberem a verdadeira natureza cruel do patriarcado diante de tamanha atrocidade ocorrida na Clube FM. Tudo isso, de modo inevitável, foi exposto pela pressão do Plenário na medida em que esses três vereadores não hesitaram em defender abertamente o comportamento misógino desses radialistas agressores de mulher, o Sr. Humberto Pinheiro e o Sr. Washington Rodrigues.
Isso não tem a ver com o direito ao voto contrário dos três, que é legal do ponto de vista dos termos regimentais da Casa, mas diz respeito a degradante defesa de uma ideologia política sexista, que é ilegítima para os Direitos Humanos já que não se pode praticar o preconceito e a discriminação de gênero, sobretudo o constrangimento, os maus-tratos e a opressão às mulheres.
O fato de os votos serem estritamente legais não significa que eles sejam politicamente corretos. Minha vó me dizia que “peixe morre pela boca” e eis aí uma situação típica desses três vereadores que, no afã de controlar sua “base”, expuseram seu ethos e se mostraram em sua inteireza. A política tem princípios filosóficos e pressupostos morais (esquerda e direita) que servem para orientar a conduta de qualquer pessoa que busca na institucionalidade um espaço honesto para atuar politicamente.
No entanto, quaisquer desses três políticos partidários com mandatos, mencionados negativamente pelo painel de votação da Câmara Municipal, são incoerentes, pois sua práxis política parlamentar é incongruente. Isso em função de uma conduta bolsonarista de extrema-direita, absolutamente permissiva e cúmplice para com a maldade de uma prefeita vaidosa que sempre fez o que bem quis contra a população conquistense periférica.
Tal incoerência foi derrotada. E a derrota reside no fato de que, parte da bancada de situação não se permitiu ser liderada pela sanha bolsonarista. O verniz boçal da moralidade dos três vereadores contrários à moção não possui qualidade suficiente para ocultar as mazelas, as opressões bolsonaristas e o desejo de degradar a vida do “andar de baixo” (no dizer de Florestan Fernandes). Eles foram desbancados desse lugar inexistente de autossuficiência de modernos mandatários liberais.
Tornam-se, portanto, detentores de títulos políticos nobiliárquicos envelhecidos com o fito de se tornarem perpetuamente herdeiros de feudos de algum senhorio do Capinal, da Limeira ou de qualquer outro minifúndio eleitoral tanto urbano quanto rural.
Esses vassalos estão mortos e sepultados lá no século XIX. Os que ainda insistem em comparecer na sessão dessa legislatura são espectros de vidas passadas, espíritos presentes no lugar errado porque precisam de doutrinamento para evoluir, almas velhas reacionárias que relutam em habitar corpos ditos jovens. Aliás, são corpos com morte cefálica diagnosticada, aguardando politicamente serem desligados do aparelho do Estado.
Esse tipo de vassalagem não deveria ser tão comum por essas bandas do ocidente, berço do republicanismo liberal que surge em 1789 com a revolução liberal burguesa na França. Essas pessoas encanecidas possuem hábitos hostis conservadores e não gostam de verem as suas verdades serem confrontadas, questionadas e muito menos desbancadas publicamente pelo frescor do pensamento de mudanças estruturais, sobretudo quando surgem de manifestações populares, porque perdem o pouco do que resta de compostura.
Esses três vereadores reproduzem o comportamento político bolsonarista que aumenta a voz, berra, esbraveja, bate na mesa, chuta cadeiras, quebra copos, coloca o dedo na cara de mulheres, espuma no canto da boca feito animais adoecidos e parte para cima dos opositores como se estivesse num vale-tudo. Exatamente como era no regime feudal com os barões, duques e reis, enfim, os bolsonaristas são os suseranos do “ancien regime”, são os títeres das autocracias na contemporaneidade.
Segundo Paulo Sandrone a expressão vassalagem significa “um sistema de relações típicas do feudalismo, que envolve todos os indivíduos numa complexa rede de deveres e obrigações”. O papel que cada indivíduo exerce nesse tipo de sociedade feudal é caracterizado como “nobre ou servo”, ambos ligados de modo servil a um senhor (suserano), a quem deviam lealdade e pagavam impostos, recebendo em troca a terra para plantar e a proteção militar.
O elo entre todas essas pontas que formavam o sistema de vassalagem sempre foi a propriedade da terra (feudo) doada ou arrendada ao vassalo pelo senhor (suserano). A cabeça do triunvirato de vereadores contrário à moção reflete esse tipo de estrutura piramidal organizado por uma rígida hierarquia, na qual se cobrava juramento de lealdade da base, que era composta pelos servos da gleba, camponeses que trabalhavam na terra de um senhor em troca de proteção.
Ao ponderar sobre a débil argumentação ultraconservadora do triunvirato bolsonarista com a finalidade de proteger agressores de mulher, busca-se entender certos limites bem definidos entre esquerda e direita. Não há uma linha tênue que aproxima a esquerda orgânica da direita liberal, pois não são caminhos perpendiculares trilhados no parlamento municipal. São forças políticas antagônicas que diferenciam os mandatos da esquerda por esses dialogarem com as pautas populares da cidade e do campo, sobretudo com as lutas políticas urbanas e camponesas.
A vaidosa posição senhorial do patriarcado pelo voto NÃO é uma posição em favor de agressor de mulher e não adianta os três vereadores negarem dissimuladamente isso, pois expressa a ideologia de extrema-direita. Essa é a ideologia de quem sempre defendeu o latifúndio improdutivo para fins de especulação imobiliária; o capital de empresários do agronegócio, da indústria e do setor de serviços, banqueiros; e a privatização. O discurso do Estado mínimo, da mão invisível, da teoria do equilíbrio geral, de milicianos, do armamento, do extermínio da juventude negra, da destruição da Amazônia, do negacionismo, da antivacina, da heteronormatividade, dos racismos, do discurso reacionário de ódio, de obediência cega a “deus, família e a pátria” e etc.
Votar a favor de agressores de mulher por causa de alguém que “manda” nos votos me remete ao feudo em que a liberdade política ia até a cortesia de obrigações de cada camponês para com seu senhor, principalmente porque incidiam sobre o pagamento de tributos. Além de serem obrigados a servirem ao suserano no campo de batalhas, prestando-lhes serviços militares em tempos de guerras, tinham também que realizar o pagamento monetário ou de produtos para cobrir despesas extraordinárias. Observe que essa cultura da vassalagem não só se mantem na cabeça do triunvirato como se tentam cooptar vereadores incautos, instrumentalizando-os para aprovar taxas e novos aumentos de impostos municipais para cobrir despesas extras do município com gastos não tão transparentes e pouco compreendidos.
Barões e duques eram vassalos de outros nobres, e, dessa forma, iam-se conformando o extrato social até chegar ao topo, que era ocupado exclusivamente pela figura máxima do rei, embora nem sempre este estivesse livre de ser vassalo de outro rei. Vale lembrar que a figura do rei era uma herança extraterrena, a única posição (social, econômica, cultural e política) que não se podia contestar ou alcançar porque era instituída diretamente pelo Deus dos cristãos.
Voltemos então aos discursos fundamentalistas sobre o “homem de bem” na Câmara Municipal. Na tentativa de naturalizar a violência de gênero, distorcendo um fato amplamente exposto em vídeos e relatos, o triunvirato bolsonarista passou a criminalizar idelogicamente não só as professoras que foram vítimas dos ataques na Clube FM, mas também toda a categoria e o sindicato que a representa.
Escrevi recentemente um artigo crítico, muito duro por sinal, analisando a desventura das peripécias do atual presidente da Câmara, Carlos Dudé (conhecido de infância no mesmo bairro onde nascemos) no oásis petista, um texto típico de um comunista orgânico, um marxiano de ação marxista-leninista de difícil digestão. Fazia algum tempo que não nos víamos, desde a publicação do artigo analítico. E, para nossa surpresa, o presidente Carlos Dudé comportou-se como um verdadeiro liberal orgânico.
Garantiu o direito ao contraditório, não tergiversou, mesmo quando não era necessário votar, mas declarou voto demonstrando que não havia internalizado passionalmente aquelas críticas e meu papel social de criticidade. Talvez até tenha cogitado no momento angustiante da leitura. Contudo, na prática, não viu nenhum motivo ou foi dissuadido a não judicializar ou criminalizar mais um dirigente histórico de movimentos sociais com a função de escrever para a classe trabalhadora, proletariado ou as massas. Até porque aguardei com paciência um contra texto do vereador para ser publicado também, garantido ao mandatário o direito inalienável de se manifestar publicamente no mesmo veículo de comunicação jornalístico.
Aliás, cumprimentou-me como um bom e respeitável general faz ao seu adversário no front de batalha, mesmo combatendo-o sistematicamente. Igualmente o fez o radialista Nildo Freitas, que escolheu se posicionar fora da caixinha da vassalagem em favor da profissão de radialista, primando pela garantia incondicional do contraditório e da liberdade de expressão.
Não se trata de tomar acento ao lado das mulheres e contra os agressores de mulher (embora eu acredite que devesse), mas de assegurar sob quaisquer circunstâncias, sobretudo da tentativa de instaurar o estado de exceção, os direitos civis. Esses agressores de mulher cercearam um direito inalienável previsto pela Constituição Federal de 1988.
O tempo de resposta deve ser proporcional ao de agravo sofrido diariamente pelos detratores de toda e qualquer pauta sindical, de movimentos sociais e partidários contrários aos partidaristas do bolsonarismo. No caso do SIMMP, isso vinha ocorrendo reiteradas vezes a ponto de a presidente Elenilda Ramos e a vice Greissy Leôncio formalizarem um pedido de espaço na Rádio Clube.
Esse espaço solicitado na emissora e que foi concedido ao SIMMP, por se tratar de Concessão Pública, caso não fosse violentamente cerceado, teria a finalidade de oferecer à população conquistense todas as explicações técnicas necessárias para compreensão fundamental das contradições desse governo municipal na gestão da rede municipal. Portanto, estão contidas nas diretrizes do Plano Municipal de Educação, que legisla sobre o financiamento público da educação básica, alimentação, transporte, remuneração da categoria, Plano Político Pedagógico, o cumprimento do Piso Nacional e a política pedagógica nacional negligenciada pelo município.
Isso, por certo, teria elucidado todas as dúvidas mais relevantes que não foram levantadas pelos radialistas fascistas que preferiram a agressão verbal gratuita após a precipitação de nuvens de ilações que criminalizam diariamente a categoria, o sindicato e sua direção eleita democraticamente.
*Herberson Sonkha é um militante comunista negro que atua em movimentos sociais. Integra a Unidade Popular (UP) e o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB). É editor do blog do Sonkha e, atualmente, também é colunista do jornal Conquista Repórter.
**Foto de capa: Blog do Sena.
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