Artigo | Beta Preta e o poder da ancestralidade viva
Por Herberson Sonkha* - 6 de novembro de 2025
Militante histórica de Vitória da Conquista, Elizabeth Ferreira Lopes transformou a luta negra em um projeto de emancipação coletiva. Ela morreu nesta quarta-feira, 5 de novembro.
Ascom/CMVC
Há vidas que não se medem pelo tempo, mas pela intensidade com que transformam o mundo à sua volta. Elizabeth Ferreira Lopes, a Beta Preta, foi uma dessas presenças que não cabem em obituários. Sua partida deixa em Vitória da Conquista e na Bahia uma ausência que é, paradoxalmente, uma presença ampliada, a de uma mulher que fez da militância um gesto cotidiano de amor e insurgência.
Beta foi uma das mais importantes vozes do movimento negro popular baiano. Iniciou-se na militância ainda adolescente, aos 14 anos, quando boa parte da juventude ainda busca seu lugar no mundo. Ela já havia encontrado o seu: ao lado do povo negro, nas lutas por educação, cultura, terra e dignidade.
Na Casa do Estudante Quilombola Zumbi dos Palmares e no Pré-Vestibular Dandara dos Palmares, ela articulou o que talvez tenha sido sua maior lição política: a de que a emancipação não é uma promessa distante, mas uma construção coletiva e cotidiana. Era ali, entre livros e conversas, que o conhecimento acadêmico se encontrava com o saber popular e ambos se tornavam ferramenta de libertação.
Como mulher negra, Beta compreendia o entrelaçamento das opressões que estruturam o Brasil. Sua militância foi interseccional antes mesmo de a palavra ganhar força nos círculos acadêmicos. Ela lutava contra o racismo e o machismo, mas também contra um sistema que naturaliza desigualdades e desumaniza corpos negros.
Nos espaços institucionais, Beta mostrou que ocupar é verbo político. Participou de conselhos, conferências e articulações nacionais sem jamais perder a ligação com as bases, com o chão da comunidade, o calor da periferia, o som do tambor que ecoa nas festas e nas marchas.
Sua morte não encerra uma história, mas a multiplica. Beta agora se transforma em energia ancestral, aquela que move e orienta quem permanece em luta. O Brasil precisa reconhecer em figuras como ela a síntese de um projeto de país mais justo, plural e comprometido com a igualdade racial.
Beta Preta não se despede. Somente muda de lugar. Passa a habitar as marchas, os terreiros, as escolas e as praças onde a resistência negra insiste em florescer, mesmo sob o concreto das desigualdades.
*Herberson Sonkha é escritor, poeta e militante do movimento negro, por meio das entidades Agentes de Pastoral Negros (APN) e Movimento Negro Unificado (MNU).
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