Um festival sem propósito político é apenas uma festa de entretenimento, afirma Gilmar Dantas

Por - 3 de outubro de 2025

Idealizador do Festival Suíça Bahiana, ele destaca a trajetória de 15 anos do evento que celebra a música autoral e independente em Vitória da Conquista. Neste ano, o festival acontece nos dias 18 e 19 de outubro, no Centro de Cultura.

Secom/PMVC

Há 15 anos, o Festival Suíça Bahiana (FSB) fortalece a cena alternativa e independente da música em Vitória da Conquista, com programações que mesclam artistas locais e regionais com grandes nomes do cenário nacional. Em 2025, com o lema “Enquanto houver som”, o evento acontece no Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima, nos dias 18 e 19 de outubro, levando para o público 20 atrações.

Para Gilmar Dantas, um dos idealizadores do FSB, o Suíça Bahiana cumpre uma missão importante ao lado do Feira Noise, festival de Feira de Santana. Na Bahia, ambos os eventos buscam ampliar a visibilidade dos artistas independentes. “Em um estado com 411 municípios, só temos dois festivais no interior inteiro com essa pegada. É muito difícil achar um festival em Salvador que tenha essa representatividade, então ouso dizer que são os dois festivais autorais mais importantes para a cena independente da Bahia”, afirma. 

No aniversário de quinze anos, o FSB recebe uma apresentação inédita de Elomar, cantor e compositor conquistense que já teve canções regravadas e interpretadas por artistas como Elba Ramalho e Fagner. “Ele é uma lenda e nunca se apresentou em um festival independente no Brasil. E aí, pensamos: ‘pô, o Elomar mora aqui em Vitória da Conquista, então, se não for a gente, não vai ser ninguém que vai conseguir”, conta Gilmar. 

Além do ícone do violão trovador, o festival oferece ao público uma line-up que transita por diversas gerações do Rock, desde os oitentistas do “Nenhum de Nós” até os baianos da “Vivendo do Ócio” e os mineiros do “Black Pantera”. A programação conta ainda com uma atração infantil, o grupo “Tiquequê”, e até um nome internacional, o nigeriano ChingyKlean.

“Foi uma coisa natural, porque achamos que é muito importante essa conexão da Bahia com os países africanos. A música africana é muito rica e vários estilos baianos têm se apropriado e adaptado dela”, explica o produtor cultural e idealizador do FSB. 

Confira abaixo a entrevista com Gilmar Dantas feita por Danilo Souza, estudante de Jornalismo na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) e colaborador do Conquista Repórter.

Danilo Souza: Nesta edição, o Festival Suíça Bahiana vai comemorar quinze anos de história. Como surgiu esse projeto até ele se tornar o que é atualmente?

Gilmar Dantas: Todo festival começa com uma cena e a do Suíça Bahiana nasceu quando começamos a fazer o evento “Noites Fora do Eixo”. A gente imaginava que tinha muitas bandas indo tocar em Salvador nas sextas e nos sábados, então, pensamos que podíamos aproveitá-las para se apresentarem aqui em Vitória da Conquista nas quintas. Eram shows que recebiam sempre uma banda de fora e uma banda local e a gente fazia toda quinta, faça chuva ou faça sol. Em um dia a gente recebia 50 pessoas, no outro 100, então, no final de 2010, nós pensamos: “e se a gente conseguisse reunir esse público juntando várias dessas bandas que mais se destacaram ao longo dos anos e outras que ainda não vieram para a cidade em um festival?”. E assim nasceu o FSB, como uma “grande festa da firma” do “Noites Fora do Eixo” e deu muito certo! Deu tão certo que, no ano seguinte, a Prefeitura nos chamou para dialogar e patrocinar o festival porque queria que ele crescesse. A gente continuou a fazer o “Noites Fora do Eixo” toda quinta, mas, em 2011, com o apoio da Prefeitura, o festival cresceu muito, e já veio uma mega edição logo de cara com Emicida, Ratos de Porão, Marcelo Jeneci, BNegão, Autoramas, Marechal, Rashid, um elenco de estrelas, além de todas as bandas baianas que estavam se destacando na época, como a Maglore.

Danilo Souza: Ao longo dos anos, o festival se consolidou como um dos principais do interior da Bahia. O que ele representa para a cena cultural alternativa de Vitória da Conquista?

Gilmar Dantas: No interior da Bahia, o Feira Noise, de Feira de Santana, e o Festival Suíça Bahiana, de Conquista, são dois gigantes. Não dá para dizer nem qual é o mais importante, eles são do mesmo tamanho e da mesma relevância porque representam oportunidades para uma banda baiana se apresentar em um festival autoral no interior. Em um estado com 411 municípios, só temos dois festivais no interior inteiro com essa pegada. É muito difícil achar um festival em Salvador que tenha essa mesma representatividade e esse público que o Sul e Sudoeste baiano tem, então ouso dizer que são os dois festivais autorais mais importantes para a cena independente da Bahia. 

O Festival Suíça Bahiana faz parte do calendário oficial do município por meio da Lei nº 2.415/2020. Foto: Victória Lôbo.

Danilo Souza: Organizar um festival no interior do Nordeste, fora do eixo Rio-São Paulo, traz desafios específicos. Quais foram os principais obstáculos nesses 15 anos?

Gilmar Dantas: É o mesmo desafio de qualquer grande festival independente brasileiro e eu incluo nisso até aqueles realizados nas capitais, como Salvador e Recife. O desafio é a continuidade. É muito cansativo e difícil manter uma regularidade de financiamento e de captação de recursos todo ano. Muitas vezes o festival não consegue captar. Olha o Festival “Abril Pro Rock”, por exemplo, mesmo com trinta anos de história, ele não aconteceu esse ano porque não conseguiu captar recursos e estamos falando de Recife, uma capital gigantesca do Nordeste, importantíssima e com histórico. Esse é o grande desafio e acho que isso está muito ligado à falta de políticas públicas para festivais e para a cultura em geral, porque a única política que acaba chegando são os editais e isso é muito injusto, porque ninguém vai conseguir ganhar edital todo ano. Você pode ganhar um aqui ou outro ali, mas isso não vai garantir sua sobrevivência, porque o edital vai dar conta de apenas uma edição e na próxima você volta para a luta.

Danilo Souza: O festival sempre buscou ser plural, e isso fica bem claro no line-up deste ano, que vai desde o Rock pesado, com a “Black Pantera”, passando pela música regional, com Elomar, e chegando a uma atração infantil, com a banda “Tiquequê”. Como é feita essa curadoria?

Gilmar Dantas: A gente preza pela inclusão em todos os eixos. Nós estávamos com poucos artistas negros participando da programação, por exemplo, e neste ano vamos ter sete. Também teremos três artistas indígenas, além de bandas compostas por mulheres. É um festival que começa cedo [às 14h], porque aqui na cidade há uma dificuldade de eventos para o público infantil e a única coisa que tem para os pais levarem os filhos é o Shopping. Então, para a gente, é muito importante incluir esse público e também o público idoso, que não tem muita opção de lazer no município. Os eventos começam às 22h ou 23h, quando a pessoa idosa já está indo dormir. Um festival à tarde e gratuito é justamente para facilitar o acesso desse público, porque sabemos que tem muita gente que quer ir, mas não tem dinheiro. Além disso, ele acontece em um lugar centralizado, que é o Centro de Cultura [Camillo de Jesus Lima], para facilitar o deslocamento das pessoas. A curadoria passa muito por essa questão da inclusão, da música autoral e das variedades de ritmos. Essa inclusão também é regional, já que tem artistas das regiões Norte, Nordeste, Sul, Sudoeste e Centro Oeste. Tudo isso é proposital, não é coincidência. Nós colocamos isso no papel para entregar o festival mais inclusivo possível. 

Na 15ª edição do FSB, a banda “Black Pantera” se apresenta no domingo, 19 de outubro. Foto: Divulgação/Black Pantera.

Danilo Souza: O Rock está bem representado na edição deste ano. A programação tem a banda “Vivendo do Ócio”, que representa uma nova geração na Bahia, ao mesmo tempo que tem “Nenhum de Nós”, um grupo clássico e super conhecido do gênero no país. Como você observa esse diálogo entre diferentes gerações?

Gilmar Dantas: Estamos vendo uma renovação nacional do Rock depois de muito tempo. A gente ouvia que “o Rock está morto”, mas hoje claramente há uma nova geração chegando e lotando eventos com um discurso novo. Não são bandas que estão copiando os grupos dos anos oitenta. Estamos trazendo a “Nenhum de Nós” justamente para mostrar como é diferente o Rock dos anos oitenta do Rock atual. Queremos mostrar a diversidade do novo Rock brasileiro, mas sem deixar de reverenciar os grandes ícones, que nesse caso é o “Nenhum de Nós”, uma banda inédita na cidade. São 37 anos do grupo e agora será a primeira vez deles em Vitória da Conquista, então, ficamos muito felizes em realizar esse feito. O Suíça Bahiana preza sempre pelo ineditismo. Para nós, não faz sentido ter um “Paralamas do Sucesso” no festival porque é uma banda que costuma vir por outras vias, como o Festival de Inverno Bahia (FIB). A gente sabe qual é o nicho que devemos atacar, até onde devemos ir sem invadir os espaços do coleguinha. Nós aproveitamos essa brecha para apresentar a banda aqui pela primeira vez na cidade, mas isso não quer dizer que estamos migrando para um festival mainstream. 

Danilo Souza: Além de “Vivendo do Ócio” e “Nenhum de Nós”, a line-up tem “Black Pantera”, uma banda bastante engajada no discurso da diversidade e da resistência contras as opressões. Qual a importância de trazer atrações como essa para um evento que recebe público de todas as idades?

Gilmar Dantas: Nós temos que mostrar para o público mais jovem que o Rock tem essa conexão com a política, com a força e a expressividade. É preciso que os shows tenham um contexto, então, trazer o “Black Pantera” significa colocar o festival conectado com um discurso atual. Não é que a gente quer que o público concorde ou não com o discurso do “Black Pantera”, mas, querendo ou não, é importante mostrar um posicionamento e é isso que estamos fazendo agora ao trazer uma banda conectada com seu tempo, com o que está acontecendo, com pautas delicadas e que precisam ser discutidas. Se um festival não tem um propósito político, se torna apenas uma festa de entretenimento.

Danilo Souza: Chegar aos quinze anos é uma conquista rara no cenário musical independente. Quais são os próximos passos do festival?

Gilmar Dantas: A gente não pensa em uma expansividade em termos de público, porque três mil pessoas por dia em um festival de música autoral já é um público muito grande. Mas talvez migrar para o [Espaço Cultural] Glauber Rocha nas próximas edições seja um caminho interessante para a gente poder desenvolver ações para além da música, porque o Centro de Cultura é pequeno. Tudo que a gente coloca a mais ali no espaço pode diminuir a capacidade de público. Se coloco um estande, já são cem pessoas a menos que vou poder colocar no local. E uma das pretensões para as próximas edições é receber mais atrações internacionais, como esse ano teremos o nigeriano ChingyKlean. Acho que Vitória da Conquista tem potencial para isso, nem que seja uma por edição. Já temos alguns nomes em mente, como Julian Marley [filho de Bob Marley]. Tem a Mayra Andrade, que é uma artista de Cabo Verde. Além disso, pensamos em artistas do Metal, como Nightwish e Sonata Arctica, bandas que tem um público gigantesco. Essas são algumas das possibilidades.

*Danilo Souza é estudante de Jornalismo na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) e escreve sobre música para os portais Scream&Yell, Jornal Nota e Musicult.

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