Editorial | A política do privilégio: vereadores propõem ticket-alimentação de R$1800 na Câmara
Por Da Redação - 29 de setembro de 2025
De autoria da Mesa Diretora do Legislativo, a proposta prevê o benefício não apenas para servidores e comissionados, mas para os próprios edis, que já recebem salários de R$18 mil.

Imagine que você recebe R$1.800,00 por mês, quase R$300 a mais do que o salário mínimo pago a cerca de um terço dos trabalhadores brasileiros, e esse valor corresponde apenas ao seu vale-alimentação (VA)? Considerando o atual preço da cesta básica e os altos índices de inflação sobre alimentos como café, carnes e até hortifrutis, não podemos negar que esse seria um benefício mais do que justo para garantir uma alimentação realmente adequada no Brasil.
Acontece que esse é um privilégio que pouquíssimas pessoas conseguem alcançar no país, o que o torna um grande reflexo de desigualdade e não um sinônimo de justiça social. De acordo com a Alelo, R$623 é o preço médio do vale-alimentação na Bahia, tendo como referência a capital do estado, onde o custo de vida é ainda mais elevado do que no interior. Enquanto isso, o valor que a Mesa Diretora da Câmara de Vitória da Conquista quer conceder em forma de ticket aos vereadores do município e demais servidores da casa é quase três vezes maior.
Por meio do Projeto de Lei Nº 158/2025, os parlamentares Ivan Cordeiro (PL), Luciano Gomes (PCdoB), Hermínio Oliveira (PP), Dinho dos Campinhos (Republicanos) e Cris Rocha (MDB), que compõem a mesa, pretendem aumentar o benefício em R$200 para os servidores que, atualmente, recebem R$1.600,00. Já para os vereadores, caso o PL seja aprovado, será a primeira vez que receberão o vale alimentação. A proposta surge após um recente e significativo aumento salarial já aprovado no fim do ano passado pela Câmara, que entrou em vigor desde o início deste ano.
Em 2025, o salário pago aos vereadores de Conquista passou de R$12.025,40 para R$18.742, crescendo em mais de 55% em relação ao subsídio vigente de 2013 a 2024. Já a verba de gabinete, usada para contratação de assessores e outros gastos, subiu para R$50 mil. A conta fecha, afinal esse dinheiro vem dos cofres públicos e, consequentemente, do bolso dos contribuintes. Mas a balança entre quem atua como agente político e o trabalhador informal ou de carteira assinada revela um abismo assustador.
Enquanto aprovam aumentos sucessivos e atuam em benefício próprio, ainda estamos de cá lutando por condições minimamente dignas de trabalho, a exemplo do fim da escala 6×1, e, muitas vezes, até contra a retirada de direitos historicamente conquistados, como férias e 13º, já que a pejotização é a tendência do mercado atualmente.
Portanto, é legítimo questionar: que compromisso público é esse que se reafirma através do acúmulo de privilégios, e não da escuta das demandas populares? Quando representantes se distanciam tanto da realidade da maioria, a política deixa de ser instrumento de transformação para se tornar espelho das desigualdades que deveria combater. É papel do Legislativo municipal dar exemplo de responsabilidade social, coerência e sensibilidade com os recursos públicos, não o contrário.
Errata
Os servidores da Câmara Municipal de Vitória da Conquista já recebem vale alimentação de R$1.600. O valor é reajustado anualmente. Caso o PL da Mesa Diretora seja aprovado, o benefício irá subir para R$1.800.
Já os vereadores recebem salários de R$18 mil, além de verba de gabinete no valor de R$50 mil e outros benefícios para manutenção dos gabinetes. Mas não recebem atualmente vale alimentação. Caso o PL se torne lei, essa será a primeira vez que os edis receberão o ticket-alimentação.
O texto foi atualizado às 13h06 desta segunda, 29, para deixar clara a diferenciação entre os recebimentos de vereadores e servidores da Câmara.
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