TR MC: “O rap é uma ferramenta muito forte de protesto e denúncia social”

Por - 12 de dezembro de 2022

Em 2022, o rapper baiano lançou seu primeiro álbum de estúdio, que mistura o rap e o trap com elementos característicos da cultura nordestina. O projeto contou com apoio financeiro do Estado da Bahia através de um edital para a Cultura.

Telles Rocha Santos, conhecido como TR MC, é uma das potências musicais que representam a cultura do rap no interior baiano. Nascido no município de Itarantim, por anos ajudou a família a se sustentar com o que colhiam e criavam no sítio do avô, na zona rural. Quando cresceu, percebeu que precisava seguir um novo caminho. Por isso, veio para Vitória da Conquista, onde descobriu sua maior paixão: a música. 

O primeiro contato de TR MC com a cultura do hip-hop aconteceu em 2011, aos 20 anos, quando já morava em Conquista. Passou a integrar o grupo de rap Rima Periférica, no bairro Urbis VI, por influência do irmão mais velho, que o incentivou a escrever as próprias canções. No ano seguinte, venceu um concurso musical. Desde então, nunca mais deixou o meio artístico. 

Em 2022, misturando o rap e o trap com elementos característicos da cultura nordestina, o artista lançou seu primeiro álbum de estúdio, denominado “Raíz do Sertão”. Em 10 faixas, Telles apresenta um trabalho que reflete o orgulho que sente de suas próprias origens. 

Além disso, o rapper baiano, amparado por discursos sobre questões sociais, aborda em suas letras temas como equidade nas oportunidades educacionais e respeito às diversidades de gênero e religiosa. Em entrevista ao Conquista Repórter, TR MC destacou a importância de os artistas utilizarem o rap como uma ferramenta de denúncia e transformação social. Na oportunidade, ele também traçou um panorama do cenário do hip-hop em Vitória da Conquista. Confira:

CR: No álbum “Raíz do Sertão”, você descortina uma realidade que muitos não veem ou ignoram, abordando questões sociais como a fome, a violência policial, a intolerância religiosa e de gênero. Por que você considera necessário colocar essas questões em evidência e qual o seu principal propósito ao falar sobre esses assuntos?

TR MC: Eu estou aqui na cena do rap de Vitória da Conquista há mais de dez anos. Então, ainda me considero da velha escola, como a gente diz. Se você pegar a história do rap no Brasil, vai perceber que começou como uma ferramenta para dar voz àquelas pessoas que não tinham voz: os favelados, os humilhados, os pobres, os pretos, os invisíveis. O rap é uma ferramenta muito forte de protesto, de denúncia, por meio da qual você poder dizer que está errado e saber que muitos vão se identificar. Para mim, é de suma importância não deixar morrer essa arma poderosa que temos em nossas mãos, principalmente porque a gente vê uma molecada iludida com rap e o trap, cantando sobre drogas, putaria, ostentação, achando que vão ficar ricos. E eles acabam se esquecendo do objetivo, da causa. 

CR: As canções de rap costumam ter grande influência dos beats eletrônicos, guitarras e teclados. O que lhe fez mesclar esses instrumentos com o acordeon, a zabumba e o berimbau, que são bastante utilizados em músicas nordestinas?

TR MC: Só da gente ser da Bahia, ainda mais do interior, já nos faz sermos um pouco sertanejos. A ideia que tivemos de misturar o rap com elementos como zabumba, triângulo, acordeon e berimbau, é de uma representatividade enorme, além de ser original. Porque no momento em que todos estão tentando imitar os gringos, o que vem de fora, a gente apresenta uma ideia totalmente diferente, um projeto regional. Além do mais, hoje em dia, o trap no Brasil está sendo dominado pelo Nordeste. As pessoas que estão em destaque são jovens nordestinos. Então, a gente tem que aproveitar que os olhos estão virados para cá (para o Nordeste) e mostrar um pouco da nossa cultura, das nossas raízes.

CR: Como você enxerga a cena do rap em Vitória da Conquista e a relação da cidade com esse gênero musical, considerando a sua vivência como artista local?

TR MC: A cena do rap em Conquista é rica. Temos artistas de muita qualidade. Por outro lado, como estou nos bastidores, vejo que a gente não está muito unido como classe artística. Fica cada um ali criando a sua “panelinha” e isso não fortalece o todo. Além disso, o público do rap em Conquista, de forma geral, é enorme. Mas o público que acompanha os artistas locais, especificamente, é menor. Por exemplo, se você trouxer alguém “estourado” de fora, como Filipe Ret ou Matuê, em qualquer lugar de Vitória da Conquista, com ingressos de até duzentos reais, a casa vai ficar cheia. Agora, se você fizer um evento com três ou quatro grupos locais e cobrar um ingresso de vinte reais, a conversa já é outra. Então, acho que não há uma valorização dos artistas locais, sendo que o rap na cidade é muito forte.

CR: Por ser um artista do interior da Bahia, você encontrou alguma dificuldade para promover suas canções e shows em outras partes do Nordeste?

TR MC: A vida de músico não é fácil, ainda mais nesse segmento que é o rap/hip hop. Eu tive a oportunidade de impulsionar alguns dos meus trabalhos, mas não fui muito longe por causa da correria. No dia a dia a gente tem filho e paga aluguel. Então, não temos condições de estar investindo o tanto que a gente queria nos nossos projetos. Mas o pouco que eu consegui fazer, achei que tive um resultado positivo. O pessoal das capitais comenta, principalmente no YouTube. Eu tive muitos comentários da galera de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador. O mais impressionante é que a gente vê as pessoas de fora valorizando mais o nosso trampo do que o próprio público da cidade. Outra questão que eu percebo é que o nosso som não chega muito longe porque somos artistas independentes. Não existe uma produtora por trás para impulsionar o nosso trabalho. As únicas ferramentas que a gente tem de divulgação são os nossos perfis no Instagram e no Facebook. Quem tem condições de trabalhar com tráfego pago, aí tem um resultado positivo. Mas assim, dificuldades a gente sempre vai achar, mas quando você tem um sonho e acredita que ele pode dar certo, as dificuldades viram motivação.

CR: Seu álbum recém-lançado contou com o apoio financeiro do Estado da Bahia, por meio do Fundo de Cultura, da Fundação Cultural do Estado da Bahia, da Secretaria de Cultura e da Secretaria da Fazenda. Como você observa a importância e o impacto do apoio do Poder Público a projetos culturais como esse? 

TR MC: O álbum “Raíz do Sertão” contou com o apoio financeiro do Estado da Bahia. O que precisa ser destacado aqui é que esse recurso não chegou até a gente de mão beijada. Isso foi fruto de um edital. Nós escrevemos um projeto. Foram dias, além de noites em claro, elaborando isso. A gente botou no papel e mandou tudo bonitinho, então nosso projeto tem o seu mérito, porque se não fosse bom, eles não aprovariam. Em meio a muitas outras inciativas baianas, a nossa foi aprovada. Na verdade, desde 2019, tenho vontade de lançar esse álbum, só que em 2020/2021 tivemos a pandemia e não pude executá-lo. Só em 2022 que fizeram a convocação, quase três anos depois do envio do projeto. A gente teve praticamente dois meses pra produzir o álbum. Fizemos mixagem, todo o trabalho de masterização e ainda gravamos o videoclipe. O impacto na cena local é muito grande. Com a aprovação de um projeto desse, quem é beneficiado não sou só eu, são várias pessoas da cena. Porque eu precisei do beatmaker para poder produzir os beats; do engenheiro de áudio para masterizar as músicas; da produtora de videoclipe. Fiz questão de procurar somente as pessoas que estão envolvidas no meio do rap, para essa verba girar entre nós mesmos. Por fim, é importante destacar que a Cultura é um direito do cidadão. É fundamental que o Governo do Estado apoie projetos culturais através de editais. Não só lançando-os, mas também reforçando a divulgação para que a população em massa fique sabendo da existência desse dinheiro disponível para a Cultura. Muitas pessoas têm ideias magníficas, mas a informação acaba não chegando para todo mundo. 

CR:  Na sua opinião, o que é necessário para fortalecer e fomentar a cena do rap a nível local? Do que você sente falta como rapper na cidade?

TR MC: Eu acho que a gente teria muito mais possibilidade de fazer a cena conquistense crescer se nos uníssemos como artistas, para fortalecer uns aos outros. Esse é o primeiro ponto que considero fundamental. Outra questão importante é o envolvimento do público, que deve valorizar o artista local. Às vezes a gente dá tanto valor para um artista que vem de Salvador, de São Paulo, do Rio de Janeiro, mas temos aqui artistas maravilhosos, bem do nosso lado. Acho que essa valorização é necessária para que a cena do rap conquistense possa deslanchar para outras regiões do Brasil. Enquanto isso não acontece, a gente tenta fazer nosso trabalho da melhor forma. Somos independentes, não temos uma megaprodução, uma produtora para investir no nosso trabalho, nós mesmos investimos e tentamos sempre buscar a melhor qualidade com o que temos em mãos. 

Foto de capa: @trmc_oficial.

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