“É nossa função enquanto artista romper com as opressões e questionar o sistema”
Por Karina Costa - 28 de agosto de 2021
O cineasta Daniel Leite conversou com o Conquista Repórter sobre a participação do público na 1ª Semana REC Conquista, as dificuldades de financiamento enfrentadas pela indústria cinematográfica e a função social que busca cumprir através de suas obras

Natural de Aragarças, Goiás, Daniel Leite Almeida é diretor executivo da Ato3 Produções, produtora independente de Cinema e Audiovisual e outras linguagens artísticas, fundada em 27 de abril de 2015, em Vitória da Conquista. Filho e neto de lavradores e oriundo de escolas públicas, ele foi um dos primeiros da família a ingressar no ensino superior. Na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), cursou Letras, Língua Portuguesa e Respectivas Literaturas. Como resultado de sua paixão pela escrita, Daniel possui dois romances publicados e alguns poemas premiados em concursos literários.
Além do amor pelos livros, o goiano também sempre nutriu uma paixão pelo cinema. Mesmo sem muitas referências artísticas e oportunidades em Goiás, ele participava de produções teatrais no ensino médio e já conseguia enxergar o que ele chama de “potência” nos colegas de palco. Por isso, a segunda graduação foi em Cinema e Audiovisual na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), campus de Conquista.
Desde que deixou sua cidade natal para realizar o sonho de se tornar cineasta, Daniel tem se dedicado a incentivar a produção audiovisual de jovens conquistenses e enaltecer as culturas regional e local em suas obras. Por meio de editais de financiamento, sua produtora, a Ato3, vem realizando, além de filmes, projetos com o REC Conquista, com foco no desenvolvimento de curtas e séries audiovisuais de forma colaborativa. A partir do REC, nasceu a 1ª Semana de Projeção, mostra de cinema que se encerra nesta segunda-feira, 30.
Em entrevista ao Conquista Repórter, o diretor, roteirista e editor falou sobre como o público tem recebido as obras do REC Conquista, transmitidas no canal da TV Uesb e no site da Ato3, as dificuldades de financiamento enfrentadas pela indústria cinematográfica a nível local, estadual e nacional, e também suas experiências durante as gravações de “Alice dos Anjos”, seu primeiro longa-metragem gravado na zona rural do município. Confira:
CR: A 1ª Semana de Projeção REC Conquista segue acontecendo até a próxima segunda, 30, mas como você avalia, até o momento, a recepção do público ao projeto, que visa incentivar a produção audiovisual realizada por jovens de Conquista?
Daniel: Está sendo extraordinário, inclusive, ultrapassou as expectativas. Na segunda-feira (23/08), que foi o dia da exibição do primeiro curta-metragem, eu não parei quieto um minuto. Fiquei respondendo várias mensagens. As pessoas estavam eufóricas, postando fotos assistindo e chorando, emocionadas mesmo. Foi uma explosão. Eu entrava no Instagram e não via outra coisa nos stories de todo mundo, só tinha postagens sobre o REC Conquista. Foi uma euforia coletiva e há muito tempo a gente precisa disso: sonhar com o cinema conquistense, sabe? Está sendo muito bonito esse envolvimento todo. E eu tenho certeza que o sucesso disso é por causa da participação do público. A gente não teve recursos para pagar a divulgação, por exemplo. A produção está sendo feita por poucas mãos mas, ao mesmo tempo, existe um envolvimento geral de todo mundo, de toda a classe artística e, mais do que isso, dos familiares dos atores. Eu recebi um vídeo do Germino, ele que faz o Roque no curta “O Sonho de Zezinho”. Ele é professor e agora parece que é um popstar lá no trabalho dele. Todas as crianças ficaram empolgadas para vê-lo na TV. Olha o quanto isso é revolucionário! Ter produções conquistenses passando na televisão. Há muito tempo a gente consome produções que não são nossas, que não tem a nossa cara, sendo que nós também produzimos aqui. Então, está sendo tudo muito potente. É lindo receber depoimentos das pessoas emocionadas com cada filme, comentando e dizendo: eu tô impactado com isso ou com aquilo. Isso é a magia do cinema. Porque mais do que discutir sobre um filme de um lugar acadêmico, a gente precisa que as pessoas de fora da academia assistam e sejam tocadas, atravessadas, e conversem sobre isso.
CR: A Ato3 Produções existe desde 2015 e, antes disso, você já se dedicava a projetos de cinema e audiovisual na cidade. De modo geral, qual a sua avaliação sobre o cenário cultural conquistense, principalmente no que diz respeito à criação de políticas públicas para o fomento à arte?
Daniel: Quando a gente criou a Ato3, nós percebemos que, ou a gente fazia as coisas acontecer por nós mesmos, ou as coisas não aconteceriam. Isso porque não existia políticas públicas voltadas para o audiovisual, assim como não existe até hoje. Então, o que a gente precisou fazer? Primeiro, nós tivemos que entrar em um processo formativo, nos profissionalizar cada vez mais. E aí a gente começou a participar de editais. Inclusive, nós fomos selecionados no primeiro em que nos inscrevemos, com o filme “Alice dos Anjos”. Fizemos isso porque a gente sabe que aqui em Conquista não tem editais, assim como não tem recursos específicos para a produção de cinema. Quando existe um dinheiro voltado para cultura, é um edital genérico. E não dá para produzir filmes com recursos desse tipo. Essa é uma verba que dá para um músico, que é uma pessoa só, mas para cinema, onde você emprega mais de oitenta pessoas, como foi o caso de “Alice dos Anjos”, não dá. Como se faz um filme com pouco recurso e ainda consegue distribuir esse dinheiro para oitenta pessoas? Não tem como. E essa é uma dificuldade que a gente enfrentava com o Estado também, mas no município era pior. Então, começamos a recorrer a editais federais. Eu percebo que existe uma “política de esmola” para artista, em que você dá um “cala a boca” e pronto. Acho que é muito cruel também porque todos os editais que saíram, até então, obrigam o artista a produzir alguma coisa, se inscrever e só então ser selecionado. E se ele não for selecionado, já era. Essa é a política que tem sido feita aqui. Acredito que essa forma de fazer as coisas deveria ser repensada. Além disso, quase nunca tem verba e, quando sai, a gente é sempre muito esquecido. É como se o audiovisual não existisse.

CR: No último dia 20 de agosto, a Prefeitura anunciou que vem preparando o antigo Cine Madrigal para receber novamente o público. Esse é um espaço que um dia existiu para movimentar a cena audiovisual e cultural na cidade. Qual a importância de existir em Conquista espaços físicos de estímulo à produção e apreciação da arte?
Daniel: Há muito tempo o setor artístico tem brigado pelo Cine Madrigal. Acho que, se bem gerido, pode ser uma potência para o cinema conquistense. E o que eu quero dizer com “bem gerido”? É porque não adianta ter um espaço e ele ser abandonado, como é o caso do Teatro Carlos Jeovah. Com o tanto de atores que nós temos, a gente tinha a possibilidade de fazer aqui em Conquista algo que eu acho muito bonito. Uma vez, quando fui ao Rio de Janeiro, toda vez que passava em frente ao Teatro Municipal, no horário de almoço, tinha uma produção sendo feita ali. Nós temos um teatro aqui, mas é sempre muito burocrático para usar. Os espaços não estão nas mãos dos artistas. Para funcionar, tem que ter a participação da classe artística. Acho que a gente tem que quebrar essas estruturas burocráticas e fazer as coisas funcionarem. Outra questão é que uma parte significativa dos nossos espaços artísticos estão longe dos lugares periféricos. Por exemplo, o Centro de Cultura fica rodeado por prédios e próximo a um bairro nobre. Então, temos que criar estratégias para trazer a periferia [para perto desses espaços]. Primeiro, porque é nossa função enquanto artista romper com as desigualdades sociais, com as opressões e questionar o sistema. Segundo, porque a arte é feita para essas pessoas. Temos que parar de fazer cinema com os pés nos tapetes vermelhos. A gente tem que fazer cinema com os pés na terra vermelha. Temos que ir para a periferia para fazer do cinema e da arte um instrumento social. E enquanto os nossos espaços forem distantes da periferia, as pessoas vão passar ali e não vão se ver, não vão se identificar. Eu lembro, por exemplo, de uma Mostra Cinema Conquista, em que passou um homem e me perguntou: isso aí é de graça? Eu posso entrar? Era um senhor humilde. E ele não tinha que ter essa dúvida. É um espaço público, mas ele vê aquela coisa pomposa e tem receio. Então, acho que precisamos de estratégias para trazer essas pessoas, as escolas, os estudantes para assistir filmes no Cine Madrigal e envolver a família dessas crianças e jovens. Eu acho que é isso que tem que se fazer. Temos que pensar nos espaços, mas também refletir sobre estratégias para que esses locais sejam úteis, e não abandonados ou elitizados.
CR: O seu primeiro longa-metragem, Alice dos Anjos, reconta o clássico de Lewis Carrol utilizando elementos típicos da região Nordeste. A personagem principal é uma menina negra do sertão e as filmagens foram gravadas na zona rural de Conquista. Qual a importância de exaltar a cultura local e regional em produções audiovisuais, principalmente no interior da Bahia?
Daniel: Quando ligamos a TV, nós vemos representatividade paulista, carioca, quando baiana e nordestina, e olha que é bem pouca, é soteropolitana. Mas no geral, a gente não se vê. Se fala muito sobre a falta de público para o cinema brasileiro e eu acho que um dos fatores responsáveis por isso é justamente o fato das pessoas não conseguirem se identificar com aquilo que elas estão assistindo. Tem um exemplo maravilhoso disso, que é o filme Cine Hollywood, uma produção cearense, feita com baixos recursos e que foi um sucesso de público extraordinário no Ceará. Isso porque as pessoas assistiam e se divertiam porque se enxergavam ali. Quando eu fiz “Alice dos Anjos”, isso era muito importante para mim. Esse é um filme que tem muitas camadas dentro desse lugar social. É importante dizer que não é somente uma adaptação de um clássico, a gente transgride esse clássico. É uma Alice nordestina, negra e que vai correr atrás não de um coelho branco, mas de um bode preto. A rainha de copas é, na verdade, a rainha do agreste, uma cangacista. A gente até usa esse termo para fazer referência aos “istas” pelos quais somos chamados, como comunistas, etc. A gente também faz uma homenagem a Paulo Freire no filme, que é o maior pensador acerca da educação do Brasil e do mundo. E discutimos a necessidade de uma identidade coletiva, de um processo de educação que nos torna sujeitos, que nos emancipa. Então, a gente traz esse discurso para o filme, mas também coloca ele em prática. Se não fosse assim, estaríamos fazendo um cinema hipócrita. Durante o processo de produção do longa-metragem, nós quebramos a hierarquização, a gente faz um cinema mais coletivo, colaborativo e formativo. Começamos a trazer profissionais já experientes, premiados e montamos as equipes deles com artistas locais. E quando a gente faz isso, temos pessoas como Saulo. Em “Alice dos Anjos”, ele fez parte da equipe de uma profissional que trabalhou em produções da Globo, e hoje Saulo está assumindo parte significativa da direção de arte dos projetos que estamos tocando. Ou seja, temos uma equipe de arte formada e a escola que formou esses profissionais foi a produção de um filme. É formar por meio da prática. Paulo Freire fala muito sobre isso. A educação não pode estar desassociada da vivência. Então, não há nada mais bonito do que aprender a fazer filmes fazendo filmes. Outro aspecto importante desse filme é que a gente teve o respeito de envolver as comunidades locais. Nós fomos nos distritos aqui de Conquista e era lindo ver as pessoas envolvidas, emprestando as casas, ajudando naquilo que era possível dentro da produção e participando como figurantes. É lindo ver aqueles rostos na tela, sabe? Prestando atenção no discurso da rainha, dizendo que precisamos lutar contra as opressões. É muito bonito ver isso.
CR: É fato que a classe artística foi uma das mais afetadas pela pandemia da covid-19 e muitos projetos só foram possíveis por causa de editais de fomento à cultura, como aqueles viabilizados por meio da Lei Aldir Blanc. A nível local, como você avalia a postura da Prefeitura diante da crise que afetou a sustentabilidade dos artistas?
Daniel: É a postura de sempre. Nós também dependemos do apoio do município, com certeza, mas há sempre uma dificuldade de diálogo e eles precisam entender que não funciona assim. Você não pode dar um pedacinho de pão para que o artista sacie a sua fome e achar que esse pão vai ser eterno. Eu acho que isso ainda está muito relacionado com a marginalização da arte. Enquanto a gente não reconhecer a arte como uma profissão e o fazer artístico como uma importante indústria econômica, a gente não muda esse cenário em que um secretário diz: “se eu fosse vocês [artistas] ia para a praça tocar e passar o chapéu para sobreviver”. Mas existe um fomento, por exemplo, para a indústria automobilística, que inclusive é privada. E nós, inclusive, devolvemos muito mais recursos para o município e sempre somos marginalizados. Enquanto estou fazendo “Alice dos Anjos”, eu estou empregando mais de 150 pessoas e estou devolvendo recursos para a cidade. Ganham a hotelaria que hospeda os atores e a equipe técnica que vem de fora, o pessoal dos restaurantes nos quais essas pessoas vão se alimentar. Ganha também a indústria do transporte, que vai deslocar as equipes de casa para o set e vice-versa. Além disso, estamos gerando empregos para as costureiras, por exemplo. É um recurso que está sendo devolvido para o município, mas não há entendimento disso. Ainda temos o fato de que o cinema pode levar o nome da cidade para outros lugares do Brasil e do mundo por meio de festivais. E isso é muito potente. Mas é importante falar também sobre o cenário nacional. Desde 2018, o setor, pensando na Ancine (Agência Nacional do Cinema) e no Fundo Setorial Audiovisual (FSA), está paralisado. O último edital que a gente conseguiu foi o último que a Ancine lançou. Nós tivemos muita sorte e a Ancine estava no processo de interiorização, por isso que o recurso nos alcançou. Era um momento de repensar a distribuição de recursos, de valorizar projetos inscritos que fossem do interior. E agora estamos sendo constantemente ameaçados por causa do caos político que se estabeleceu e do atual presidente, que é inimigo da arte, da cultura, da ciência. Então, existe uma incompetência e uma maldade política, que estão nos ameaçando enquanto artistas e cineastas.

CR: Qual filme ou outro tipo de produção você considera o mais marcante da sua carreira até o momento e por quê?
Daniel: Essa é uma pergunta difícil porque eu sou uma pessoa muito apaixonada pelo que faz. Mas talvez “Alice dos Anjos” tenha sido o meu maior desafio. Foi o meu primeiro longa-metragem, o primeiro na cidade e de grande porte. É uma produção extremamente difícil porque é uma fantasia e também musical. Além disso, eu lidava com muitos atores, mais de cinquenta, e eu tinha um prazo curto e pouca verba. Foi um projeto em que eu dependia muito da paixão da equipe. Se eles não se apaixonassem pelo filme, a produção não ia sair justamente pela falta de verba. Mas agora também estou muito apaixonado por “Entre o Ninho e as Andorinhas”. É um filme com uma potência técnica muito grande e que, ao mesmo tempo, foi feito de forma muito artesanal. Mas essas duas produções têm algo em comum: ambas tratam sobre memórias minhas, então estou contando uma parte da minha história nesses filmes. É claro que é bastante ficcionalizado, mas tem um pouco de mim nos dois filmes. Em “Alice dos Anjos”, faço uma homenagem a minha avó. Eu mostro a relação de uma neta e uma avó, que conta histórias. Eu tinha muito isso com a minha avó. Eu chegava da creche e sentava para contar histórias para ela, então trago isso no filme, invertendo e trazendo o discurso de Paulo Freire. Já “Entre o Ninho e as Andorinhas” é sobre os dois primeiros anos da minha vida depois que chego em Conquista, em que passo por um processo de adoecimento psíquico. “Canções para não Dormir” também é um projeto que amo de paixão. Acho que essas produções são sequenciais. Uma não existiria sem a outra. Todas elas são importantes e necessárias. O que vem depois é sempre mais bem feito tecnicamente, mas o estilo mais maduro não seria possível se não existissem os trabalhos anteriores.
CR: Além do financiamento de projetos culturais, para você, quais as maiores dificuldades enfrentadas por produtores, diretores, cineastas, e artistas em geral, em uma cidade como Vitória da Conquista?
Daniel: Eu acho que isso depende muito dos lugares geográficos e culturais. Por exemplo, se eu falar enquanto alguém que vem do Goiás, do Mato Grosso, a dificuldade é existir por falta de acesso à arte. Aqui em Conquista nós temos muitas referências de pessoas que construíram nomes enquanto profissionais da arte. Lá, a gente não tem isso. Então, no Goiás, eu fazia as coisas no intuitivo mesmo e percebia, por exemplo, enquanto eu montava o meu grupinho de teatro na escola, que ali tinham atores extremamente potentes. Eles sonhavam em fazer artes cênicas e em ser atores, mas ali existia a dificuldade de sobreviver. Mas ao mesmo tempo, quando eu venho para Conquista fazer Cinema, os meus amigos e a minha família me aplaudiram como se eu estivesse indo para os Estados Unidos fazer Medicina. Então, fui colocado num lugar de exemplo a ser seguido. Era alguém saindo de uma bolha social, porque antes não era possível fazer alguma coisa que não fosse o que o meu pai fazia, ser lavrador. A minha família estava destinada ao serviço braçal e eu rompo isso e sou colocado como exemplo. Mas quando chego em Conquista, encontro pessoas que cursam Cinema e são fantásticas, mas por causa da pressão social dos familiares, desistem da profissão. Ou seja, é muito diferente. Aqui, a dificuldade é reconhecer a arte como um lugar que pode trazer rendimento financeiro. O artista é visto como vagabundo, aquele que sempre vai pedir dinheiro emprestado para os familiares. Em Conquista, temos muitas pessoas que absorvem arte o tempo, diferente do Goiás, há uma intelectualidade muito formada dentro do espaço artístico, mas reconhecer a arte como uma profissão rentável é uma dificuldade.
CR: Qual papel cumpre o curso de Cinema e Audiovisual da Uesb, e também programas como o Janela Indiscreta, no fomento à cultura audiovisual do nosso município?
Daniel: É super importante. Se não fosse pelo curso de Cinema, eu não estaria fazendo o que eu faço. Eu saí da minha cidade por causa dessa graduação, que tem um corpo docente incrivelmente dedicado e preocupado em contribuir para a construção desse polo cinematográfico aqui em Conquista. O Janela Indiscreta também tem se preocupado cada vez mais em fomentar projetos que dialoguem com a sociedade. Mas eu ainda percebo uma certa dificuldade da própria universidade em estabelecer esse contato com a população. Parece que a Uesb daqui de Conquista é muito distante da grande massa. Eu fiz outro curso universitário antes, na Universidade Federal do Mato Grosso, onde a gente conseguiu construir um movimento estudantil muito forte. Havia uma projeção da universidade de modo que era possível estabelecer diálogo entre os estudantes, os docentes e a sociedade civil por meio de projetos incríveis. A Uesb também tem programas maravilhosos, mas eu percebo que há alguns departamentos muito fechados entre si, algo que vejo sendo mudado agora. Mas há uma briga de egos ali, que dificulta muito a aproximação e o diálogo com a sociedade civil.
CR: Na sua opinião, como o legado de Glauber Rocha se perpetua e se reflete na produção audiovisual dessa nova geração de cineastas de Vitória da Conquista?
Daniel: Sem dúvidas, é um grande nome do cinema nacional e o mais importante do cinema novo. Mas eu sempre falo sobre a forma como a cidade lida com as homenagens. Transformam Glauber em aeroporto, teatro universitário, centro de cultura, ou seja, ele é transformado em prédios. Só que não transformam Glauber em outros “Glaubers”. Conquista fica presa a uma figura histórica. E aí se uma pessoa quiser virar um Glauber, ela tem que fazer o mesmo trajeto feito por esse grande cineasta, que é sair de Conquista para só assim se transformar nessa figura importante e receber reconhecimento. Então, sempre dizem: olha aí, temos uma grande referência que é conquistense, como se a cidade fosse responsável por isso, mas não é. Acho que a gente precisa pensar em homenagear Glauber fomentando a construção do cinema. Ele não era arquiteto, era cineasta. Então chega de ficar colocando o nome dele em todos os espaços de Conquista. Vamos começar a fomentar o audiovisual e dar condições para que outros realizadores de arte não precisem sair da cidade.
Foto de capa: arquivo pessoal
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