Editorial | Denúncias de abuso sexual em abrigos evidenciam a infância desprotegida em Conquista

Por - 24 de agosto de 2025

Criadas para proteger crianças e adolescentes em situação de risco, as casas de acolhimento acabam reproduzindo a negligência e a violência que deveriam combater.

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“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

O artigo 227 da Constituição Federal de 1988 é taxativo. Mas basta olhar para as recentes denúncias de abusos sexuais e maus-tratos em unidades de acolhimento de Vitória da Conquista para perceber o abismo entre o que está escrito na Carta Magna e o que se pratica em nosso país.

As casas de acolhimento, criadas para proteger crianças e adolescentes em situação de risco, acabam reproduzindo a mesma lógica de negligência e violência que deveriam combater. Crianças retiradas de lares insalubres encontram instituições superlotadas, falta de profissionais capacitados, convivência forçada entre faixas etárias e ausência de protocolos de segurança. Em vez de proteção, encontram uma nova forma de vulnerabilidade.

Esse drama local se conecta a uma realidade ainda mais ampla. Recentemente, o youtuber Felca denunciou o aliciamento de crianças para a produção de conteúdo sexual na internet. No espaço on-line ou no espaço físico, a infância brasileira está sendo violentada.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 4º, reforça que “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. O mesmo ECA, em seu artigo 92, lista obrigações específicas para entidades de acolhimento, todas reiteradamente descumpridas em diferentes partes do país.

A negligência não é fruto do acaso. Ela atinge principalmente as crianças pobres, negras e periféricas, que ficam invisíveis ao poder público. A promessa de prioridade absoluta se converte, na prática, em filas no Conselho Tutelar, silêncio das autoridades e descaso institucional.

O mais grave é que essa omissão não é apenas ilegal, é imoral. O Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, que no artigo 19 obriga os Estados a protegerem as crianças contra toda forma de violência física ou mental, abuso ou negligência.

Cada denúncia ignorada é, portanto, uma dupla violação contra nossas próprias leis e contra compromissos assumidos internacionalmente. A sociedade brasileira precisa decidir se continuará naturalizando esses horrores ou se exigirá a construção de uma rede de proteção real, com investimento, fiscalização rigorosa e responsabilização efetiva.


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