“Marcar um exame pelo posto de saúde é como acertar na loteria”

Por - 17 de novembro de 2021

Moradores de Vitória da Conquista relatam que esperam meses e até anos para agendar e realizar consultas e exames na rede de atenção básica à saúde do município. Secretaria de Saúde diz que pandemia foi a principal causa das dificuldades de acesso às marcações entre 2020 e 2021.

O ex-prefeito de Vitória da Conquista, Herzem Gusmão Pereira, ainda estava em seu segundo ano de mandato, em 2018, quando a conquistense Maria das Graças Mota Lima solicitou a marcação de uma ressonância magnética através da rede de atenção básica à saúde do município. Quase três anos depois, quando a data do exame foi finalmente marcada, ela conta que havia até esquecido da solicitação. “E não tem pra quem reclamar”, desabafa.

Dalva Gonçalves, por outro lado, não esquece do pedido de eletrocardiograma que deixou, há cinco anos, na Unidade de Saúde da Família Lagoa das Flores. O exame nem sequer chegou a ser marcado. Já Cleide Prado esperou cerca de um ano para conseguir uma consulta com um cardiologista e mais seis meses para ser atendida por um mastologista através do SUS (Sistema Único de Saúde). 

Um semestre também foi o tempo que Regina Pereira aguardou para realizar um raio-x do pulmão, solicitado por um médico do Centro de Saúde Régis Pacheco, depois que ela contraiu a covid-19. No caso de Patrícia Montenegro, que procurou o posto de saúde do seu bairro, no início da gravidez, para fazer os exames de pré-natal, a marcação só ocorreu depois que seu filho já havia nascido. 

Esses e dezenas de outros relatos obtidos pela nossa reportagem através de uma publicação no Facebook apontam para um mesmo problema: a demora para a marcação de consultas e exames nos postos de saúde de Vitória da Conquista, uma realidade comum para quem tem o SUS como único meio de garantia do seu direito constitucional à saúde.

“Ou você tem dinheiro para fazer particular ou vai ficar na fila de espera”. “Marcar um exame pelo posto de saúde é como acertar na loteria”. Essas são algumas das frases que resumem a situação no município. Denúncias sobre o assunto são recorrentes em blogs e emissoras locais de rádio e televisão desde gestões passadas. 

Em fevereiro de 2014, durante o governo do ex-prefeito Guilherme Menezes (PT), o problema chegou a ser pautado em uma reportagem do Portal UOL, que relatava o caso de Flávio Borges, aposentado que esperou quatro anos para ter um exame de urofluxometria agendado pelo SUS.

“E se eu não tivesse resistido?”

Muitas vezes, a espera pela marcação se traduz em medo e angústia. Esses sentimentos fizeram parte da rotina de Hania Oliveira por cerca de sete meses. No dia 19 de março deste ano, ela procurou atendimento clínico no Centro de Saúde Régis Pacheco após sentir dores no peito e dificuldade para respirar. Por ser asmática e por ter contraído a covid-19, ela imaginou que seu estado de saúde estava se agravando. 

Após relatar esses sintomas ao médico que a atendeu, ele solicitou que Hania fosse encaminhada a um pneumologista. “No dia 25/03, deixei a guia lá [na unidade de saúde] para marcar (já que eu saí da consulta tarde e eles só aceitam guia para marcar pela manhã). O tempo foi passando e eu esperando, cobrei eles algumas vezes e nada”, lembra.

Então, em 24 setembro, ao voltar ao posto de saúde mais uma vez para cobrar a marcação da consulta, lhe informaram que o seu pedido médico havia sumido e que ela teria que fazer um outro atendimento com o clínico geral para conseguir uma nova solicitação de encaminhamento ao pneumologista. “Ou seja: esperar mais tempo. Aí eu aumentei o tom de voz com eles, falei que isso só podia ser uma piada e fui embora”, conta.

Unidade Básica de Saúde Régis Pacheco, localizada no Centro de Vitória da Conquista. Foto: Secom/PMVC.

Quatro dias depois, numa terça-feira, um funcionário do posto lhe ligou, dizendo que havia encontrado o seu pedido médico. Meia hora mais tarde, entrou novamente em contato informando que a consulta havia sido marcada para o dia 14 de outubro. “Estamos em uma pandemia de um vírus que afeta o pulmão. E se fosse mais grave? E se eu não tivesse resistido?”, questiona.

Durante o período em que esperou pela consulta, sua falta de ar piorou consideravelmente. Ela classifica a situação como um descaso do poder público com relação à saúde municipal. “Eu tenho a sorte do meu caso não ter se agravado mais e saído do meu controle, mas sabemos que isso acontece com frequência. Como ficam essas pessoas? Morrem e acabou? É triste e revoltante”, desabafa.

“Isso é uma vergonha”

Para evitar o sumiço das suas solicitações de exames na Policlínica de Atenção Básica do Panorama, a moradora do bairro, Tata Silva, vai até a unidade quase diariamente. “Se a gente não for lá todo dia, a gente perde os [pedidos de] exames deixados no posto”, conta. Um deles está lá desde agosto do ano passado. Trata-se de um procedimento fisioterapêutico que ela já deveria ter realizado. 

Tudo que ela recebe como resposta se resume a “tem que aguardar”. “Isso é uma vergonha. Se esperar pelo posto e pelo SUS, a pessoa morre. Particular não dá pra fazer, porque não tem condições”, diz. Tata acrescenta ainda que conhece várias outras pessoas que reclamam do mesmo problema. 

Caique Santos, morador do bairro Vila América, afirma que essa situação piorou muito durante a pandemia da covid-19. “Disseram que quando saísse o posto do bairro iria melhorar. Melhorar só se for o conforto dos funcionários, porque pra população piorou muito!”, conta.

O que diz a Secretaria Municipal de Saúde 

Em nota enviada ao Conquista Repórter, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), por meio da Diretoria de Regulação, Controle e Avaliação do SUS (Drac), afirma que houve uma redução significativa no número de procedimentos e consultas por conta da pandemia, gerando dificuldades para a população no acesso às marcações. 

“Alguns serviços especializados da rede de saúde precisaram reduzir suas atividades, gerando uma demanda reprimida nas unidades de saúde, situação que foi agravada com o período de férias dos profissionais médicos”, diz também o texto da nota. 

Ainda de acordo com a Drac, “a Central de Regulação tem buscado agilizar a marcação dos exames de ressonância, mamografia, raio-X, eletrocardiograma, com o objetivo proporcionar maior oferta de exames de imagem, além da demanda normal que já é atendida pela Central”.

Fila para marcação de exames registrada na Rua Coronel Gugé, Centro de Conquista, onde está localizada a Central de Regulação de Procedimentos e Exames Especializados (CRPEE). Foto: Blog do Sena.

O SUS no centro do debate

Um dos efeitos da demora acentuada para a marcação de consultas e exames na rede municipal de saúde é a impressão negativa da população acerca do SUS. Para Gabriela Pereira dos Santos, o Sistema, que é reconhecido internacionalmente como um dos melhores do mundo, não funciona em Vitória da Conquista, o que é um reflexo da forma como ele é gerido na cidade.  

Um estudo do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) aponta que as dificuldades do SUS não podem ser generalizadas, pois municípios que assumem um verdadeiro compromisso com a saúde de seus cidadãos, que respeitam a lei e investem em recursos próprios, “estão conseguindo prestar atendimento com qualidade e dignidade a toda a população”.

O atendimento deve acontecer em três diferentes níveis de atenção. No primeiro deles, estão as unidades básicas de saúde, que são justamente a “porta de entrada” no Sistema, onde, portanto, são marcadas consultas e exames e realizados procedimentos de baixa complexidade, como curativos e vacinação. Cada unidade deve contar com três tipos de médicos à disposição dos cidadãos: clínico geral, pediatra e ginecologista. Apesar disso, a falta desses profissionais é outro problema recorrente nos postos de Vitória da Conquista.

Já no segundo nível, entendido como de média complexidade, estão as clínicas, unidades de pronto atendimento e hospitais escolas, que atuam no tratamento de casos crônicos e agudos de doenças, entre outras atribuições. Os serviços de alta complexidade constituem o terceiro e último nível de atenção do SUS, abarcando os hospitais de grande porte, por exemplo, onde são realizados procedimentos que envolvem maior risco à vida do usuário do Sistema.

Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, as unidades básicas do município, que fazem parte do primeiro nível de atenção do SUS, possuem cotas mensais para marcação de exames, com “exceção daqueles considerados como de alta complexidade, a exemplo dos oncológicos, de hemodiálise e procedimentos cirúrgicos nas áreas de cardiologia, neurologia, traumatologia, entre outros”.

Soluções paliativas

Uma das estratégias que a Prefeitura de Vitória da Conquista tem adotado para agilizar a realização de consultas e exames de usuários do SUS é a promoção de mutirões de saúde. O último deles ocorreu em outubro e contou com o apoio da Fundação José Silveira. Em três dias, foram realizados, de acordo com a SMS, 1.540 atendimentos de diversas especialidades, exclusivos para quem já tinha atendimento agendado pelas unidades e equipes de saúde do município.

Feira de Saúde promovida pela Prefeitura, em parceria com a Fundação José Silveira, entre os dias 21 e 23 de outubro deste ano. Foto: Secom/PMVC.

De acordo com a SMS, a Diretoria de Regulação, Controle e Avaliação do SUS (Drac) também mantém um estreito relacionamento com o Conselho Municipal de Saúde (CMS), “por meio da sua Presidência, procurando acolher e atender a todas as demandas apresentadas em relação aos serviços prestados pela Central de Regulação”. Procurado pela nossa reportagem via e-mail, o CMS não se manifestou sobre o assunto até o fechamento desta matéria. 

Para a munícipe Railice Santos, a solução para os problemas que afetam a saúde pública municipal perpassa pelas escolhas eleitorais dos cidadãos e cidadãs conquistenses. “Vamos aprender a votar. É função do prefeito estruturar os postos, e é função dos vereadores fiscalizar os serviços prestados à população”. 

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2 respostas para ““Marcar um exame pelo posto de saúde é como acertar na loteria””

  1. Zina santos disse:

    Isso tudo é verdade, uma vergonha, essa semana fui ao posto de saúde e tinha duas funcionária brigando chingando a outra só faltou ir nos tapas, não respeita nem os pacientes, e o serviço só atende emergência, até então eu sei que Emergência é no pronto socorro , eu já sairchorando do posto de saúde pq não encontro atendimento, e muito menos a agente de saúde , anos atrás meu esposo esperava pela ultrassom e quando marcou vieram trazer o pedido e meu esposo já havia morrido , depois de seis meses ,

  2. […] de insumos e medicamentos nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); dificuldades para agendamento e realização de exames na rede de atenção básica; ausência de médicos em postos; e […]

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