Assucena: “Vitória da Conquista é o meu lugar”

Por - 22 de julho de 2022

Em pleno início da sua carreira solo, a artista se apresenta pela primeira vez na sua terra natal durante a segunda prévia do Festival Suíça Bahiana, que acontece neste sábado, 23. Em entrevista ao Conquista Repórter, ela fala sobre esse novo momento da sua carreira e os desafios de viver da arte em meio à atual conjunta política e cultural do país.

Assucena

Depois de seis anos à frente da banda “As Baías”, com a qual foi indicada duas vezes ao Grammy Latino e recebeu dois Prêmios da Música Brasileira, a cantora conquistense Assucena iniciou, na virada de 2021 para 2022, a sua carreira solo na música. É nesse momento de sua trajetória artística que ela se apresenta, pela primeira vez, em sua terra natal, trazendo a Vitória da Conquista o espetáculo “Minha Voz e Eu”, que já passou pelas capitais Fortaleza, Rio de Janeiro e Salvador, onde a artista fez show na última quinta-feira, 21.

Antes de pisar no palco do Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima neste sábado, 23, na segunda prévia do Festival Suiça Bahiana, Assucena se apresenta ainda em Feira de Santana, nesta sexta-feira, 22, ao lado da cantora, compositora e instrumentista Filipe Catto, que a acompanha nesta mini turnê pela Bahia e também faz sua estreia em solo conquistense. Como artistas trans, elas são dois dos grandes destaques do movimento LGBTQIAP+ que ganhou força e protagonismo na cena musical brasileira nos últimos anos.

Em entrevista ao Conquista Repórter, concedida antes mesmo de desembarcar na Joia do Sertão, Assucena falou sobre esse novo momento da sua carreira e os desafios de viver da arte em meio à atual conjunta política e cultural do país. Confira:

CR: Como é a sua relação com Vitória da Conquista e o que significa pra você realizar um dos shows da turnê “Minha Voz e Eu” em sua cidade natal?

Assucena: A minha relação com Vitória da Conquista é uma relação de pertencimento. Não tem como eu separar Assucena de Vitória da Conquista uma vez que foi a cidade onde não só nasci, mas onde eu cresci, onde me criei, onde minha família reside, onde aprendi a cantar, onde eu aprendi a dar meus primeiros passos críticos no mundo, na arte, na vida. Então, Vitória da Conquista é o meu lugar. E por isso é tão importante pra mim poder retornar como uma artista dessa terra. Uma artista que não só bebeu da água dessa terra mas que saiu do seio dessa terra. Então, eu estou muito emocionada. Minha família vai em peso [para o show], meus professores, muitos já me escreveram que vão, meus colegas de escola. Tem uma torcida pra que isso acontecesse um dia e eu estou muito feliz por isso.

CR: Como tem sido a recepção do público a essa nova fase em carreira solo e ao espetáculo em si, desde a sua estreia? E como você mesma tem olhado para esse novo momento da sua trajetória na música?

Assucena: Eu estou amando a construção da minha carreira solo, que está no início ainda. Estou gravando o meu primeiro disco e o público tem pedido muito. Eu comecei no final do ano passado, 10 de dezembro, no Dia Internacional dos Direitos Humanos, uma homenagem ao disco Fatal, de Gal Costa, que não é um cover, é uma releitura contemporânea desse disco que é fundamental para o nosso acervo fonográfico e eu sei que o público tem amado. Já pediam pra mim, né? Esse lugar da carreira solo. Então, agora é o momento de construir esse lugar e pra mim tem sido muito especial. Eu estou ansiosa para o lançamento desse disco, desse primeiro show autoral e que bom que eu já posso estar na estrada, azeitando meu espaço.

CR: De que forma sua vivência junto a banda “As Baías” influencia e se faz presente em sua música hoje?

Assucena: “As Baías” teve um papel muito importante na cena musical brasileira. A gente foi pioneira na temática da transgeneridade na nossa geração. Nós fomos as primeiras mulheres trans a declarar esse lugar, quando já existiam muitas. Mas as mulheres trans não falavam desse assunto de forma aberta. Então, a gente trouxe esse papel político nas entrevistas, mas na música é um sentido muito metafórico. A gente não era tão literal sobre ser trans na vida, na música, na cultura. Era muito mais fora do palco. E “As Baías” tem uma trajetória linda. Foram dois Prêmios da Música Brasileira, duas indicações consecutivas ao Grammy. Nós fomos as primeiras a ser indicadas e as primeiras a serem indicadas consecutivamente. Então, isso é um abrir caminhos, apesar de o ônus do pioneirismo não ser tão legal. Mas que bom que a gente pôde galgar esse lugar aí não só pra gente mas pra uma cena. Então, foi muito importante, até porque grande parte do repertório d’As Baías também é meu e foram composições que saíram das minhas dores, das minhas alegrias, e irei apresentar muitas delas nesse show que eu estou trazendo pra Vitória da Conquista.

CR: Apesar de ser natural de Vitória da Conquista, você construiu os pilares da sua carreira em São Paulo, longe da sua terra de origem. Como você observa a cena artística fora das capitais, especialmente no interior baiano? 

Assucena: Sim, eu estudei em São Paulo. Fiz História na USP (Universidade de São Paulo) e foi lá que a banda surgiu, há 11 anos. Então, São Paulo é a casa das “Baías e a Cozinha Mineira” [segundo nome que recebeu a banda. O primeiro foi “Preta por Preta”]. Eu sou uma artista que entrou na cena musical brasileira em 2015. Nosso primeiro disco, “Mulher”, foi lançado no final daquele ano. Então, a gente entrou na cena durante o declínio do Ministério da Cultura. Não experimentamos a fase áurea do Ministério da Cultura. E hoje a gente tem um um Brasil de dimensões continentais, um país exuberante com uma Secretaria da Cultura mequetrefe, medíocre e que não sabe lidar, cuidar e preservar a sua cultura. Por isso, é muito difícil eu rodar no Brasil quando você não é mainstream. Eu espero que a gente possa fazer de 2022 um ano de esperança, também pela nossa cultura pra gente poder rodar na Bahia. E a Bahia dispensa apresentações, né? Só em Vitória da Conquista, temos Guigga, que é um artista genial; Luiza Audaz, Ana Barroso, Lucas Gerbasi, Coral, que é de Jequié, mas foi radicada em Conquista e hoje está em Belo Horizonte. Então, são artistas que contribuem muito pra cena. E eu estou nesse bojo de ser artista de Vitória da Conquista, apesar de me apresentar na cidade pela primeira vez. 

CR: E como é pra você ser uma mulher trans que sobrevive da arte em meio à atual conjuntura política e cultural do país?

Assucena: Eu uso esse lugar para angariar mais espaço pra nós, pessoas trans, LGBTs em geral. Então, como mulher trans eu percebo que existe sim muito preconceito ainda. Os algoritmos das pessoas trans são consumidos muito mais quando acontece as nossas desgraças. Não consomem muito ainda a nossa produção artística, a nossa linguagem. A gente não tem pessoas trans, musicalmente, no mainstream. A Linn da Quebrada hoje é mainstream por causa do Big Brother. A gente tem drag queens, lésbicas, gays, mas ainda existe uma resistência moralista para as pessoas trans, acerca de nossos corpos e de tudo que a gente produz como cultura. Então, eu busco sempre aumentar, alargar essas fronteiras e ocupar espaços.

Foto de capa: Divulgação/FSB.

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