Adriana e Girleno: a realidade de um casal que sobrevive da reciclagem

Por - 9 de junho de 2021

Uma das muitas famílias que ajuda a reciclar o lixo gerado pelos conquistenses não é assistida pelo Poder Público e mora numa casa de dois cômodos, construída através de doações

Adriana tem 37 anos e quatro filhos: uma menina de 10 meses e três meninos de 4, 9 e 16 anos. O seu marido tem 43 e se chama Girleno, mas é conhecido como Grilo no Cruzeiro, bairro onde moram e onde também se conheceram há mais de duas décadas. Ambos são catadores de recicláveis.

Conheci essa família em outubro de 2020, quando fiz uma reportagem sobre as vivências de mães de alunos de escola pública em tempos de pandemia. Lembro que, na época, a situação de Adriana e seus filhos me tocou muito.

O choro engasgado me trouxe a essa história à margem, pois sei que essa é só uma das muitas famílias que estão em situação de vulnerabilidade social devido à falta de programas de assistência social e à pandemia da covid-19, que acomete o Brasil desde março de 2020.

Adriana com Pâmela no colo, dentro de sua casa. Foto: Victória Lôbo.

Desta vez, fui recebida pelo sorriso da filha mais nova de Adriana, que ainda era recém-nascida quando fiz a minha primeira entrevista com a catadora.

A casa, que na época só tinha um cômodo, já está com dois e conta agora com um muro, mas não tem saneamento básico e é coberta por tapumes, que nem sempre os protege de chuvas e alagamentos. Tudo foi construído por Grilo, com o auxílio do filho mais velho e de doações de materiais de construção.

O casal morava numa residência ainda menor, na popular rua do Cruzeiro (Avenida Antônio Nascimento), e se mudou há 4 anos para essa onde estão atualmente.

Eles costumavam catar recicláveis juntos, mas, com a gravidez, desde o início da pandemia da covid-19, Adriana passou a cuidar da casa e dos filhos, enquanto o marido sai para exercer o ofício de catador.

Em uma pesquisa divulgada nesta semana, a Defensoria Pública Estadual (DPE/BA) destacou que os catadores são responsáveis por 90% da coleta de recicláveis no país, sendo que “muitos começam a jornada de trabalho cedo para ter o que comer meio dia, trabalham de tarde para ter o que comer à noite; e à noite para ter o que comer pela manhã”.

A rotina de Adriana e Grilo começa exatamente às 4h da manhã. Nesse horário, assim como vários outros catadores de Vitória da Conquista, Grilo parte para as ruas da cidade em busca de recicláveis. Volta à casa para almoçar, depois retorna ao trabalho, que só termina efetivamente às 21h.

Adriana conta que tem sido difícil para o marido conseguir uma quantidade razoável de materiais recicláveis para venda. Segundo ela, o número de catadores aumentou nesse último ano. Só na Associação Coletores de Resíduos Sólidos Recicláveis de Vitória da Conquista, são 347 catadores cadastrados, de acordo com a DPE/BA.

Dados da Defensoria mostram ainda que 83,5% deles são negros e pardos e 57% têm renda familiar mensal de até R$500,00, uma realidade com a qual a família de Adriana e Grilo se identifica.

A bolacha de coco foi doação e faz a alegria das crianças

Eles conseguiram ser atendidos pelo Auxílio Emergencial de R$600,00 no ano passado. Já neste ano, o auxílio diminuiu pela metade e o que os ajuda a colocar comida na mesa são as cestas básicas que alguns vizinhos doam.

Dentre as doações que a família recebeu, Adriana mostra um grande pacote de bolacha de coco, popularmente conhecida como “pocazói”. Segundo ela, a quantidade dá para o mês todo e faz a alegria dos filhos.

O kit de alimentação da Prefeitura de Conquista, entretanto, não está sendo distribuído com regularidade e, mesmo tendo três crianças matriculadas na rede municipal de ensino, a família só recebeu um kit em cada distribuição que foi feita. “Vem pouca comida para uma família grande”, conta Adriana. São cerca de 6 a 7 itens por cesta.

Os custos com alimentação aumentaram com as crianças estando integralmente dentro de casa, sem irem à escola. Adriana explica que também é muito difícil manter a constância nos estudos, visto que, por não saber ler, ela não tem como ajudar os filhos no ensino remoto.

A tia que os auxiliava se mudou para São Paulo e o celular que havia comprado para que o filho mais velho recebesse as atividades escolares quebrou. Além disso, a família não tem internet em casa.

Logo ao adentrar a sua residência, após passar pelo quintal cheio dos materiais que gera parte do dinheiro que sustenta a família, vejo um fogão de lenha.

O fogão de lenha foi improvisado pela família

Apesar de terem um fogão a gás, não têm dinheiro para comprar o botijão, que está custando em torno de R$90. A madeira que usam para cozinhar é retirada na Reserva do Poço Escuro, que fica em frente da rua onde moram. Já a água, usada também para beber, limpar a casa e tomar banho, é retirada de um poço localizado na casa da mãe de Adriana.

Os recicláveis arrecadados ficam amontoados no quintal da casa até juntar o suficiente para conseguirem um valor que dê para o sustento diário. Porém, isso leva mais de um mês e, muitas vezes, a família fica sem dinheiro, tendo que vender os materiais em pequenas quantidades para sobreviver. Grilo conta que o quilo do PET custa R$0,70 e do ferro R$1,00, mas são os materiais mais difíceis de conseguir.

O senso de comunidade é o que tem ajudado a família a ter moradia e alimentos. Mas apesar de toda a ajuda, é do Poder Público a obrigação de oferecer uma qualidade de vida para esses e todos os outros cidadãos do município.

*’Histórias à margem’ é uma série especial do Conquista Repórter que tem como objetivo dar visibilidade a personagens do cotidiano de Vitória da Conquista marginalizadas pela mídia tradicional e pela sociedade.

Gosta do nosso trabalho? Então considere apoiar o Conquista Repórter. Doe qualquer valor pela chave PIX 77999214805 ou assine a nossa campanha de financiamento coletivo no Catarse. Assim, você nos ajuda a fortalecer o jornalismo independente que Vitória da Conquista precisa e merece!

2 respostas para “Adriana e Girleno: a realidade de um casal que sobrevive da reciclagem”

  1. Rodrigo Silva disse:

    Que legal…!!
    Fiz uma visita gratificante, gostei muito, voltarei em breve..!
    Bom trabalho..!!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  • some
  • Somos uma organização de mídia independente que produz jornalismo local em defesa dos direitos humanos e da democracia no sertão baiano.
  • Apoie

© 2021-2024 | Conquista Repórter. Todos os direitos reservados.